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Camboja

Phnom Penh, a capital do Camboja e o regime do Khmer Vermelho

Phnom Penh Capital Camboja Khmer Vermelho-15

Phnom Penh, 17 de abril de 1975. Um exército rebelde marcha pelas ruas da capital do Camboja. A população local saúda aquilo que, até então, significava o fim de uma guerra civil que já durava ao menos cinco anos. Era o fim de uma ditadura militar, mas o início dos anos mais sombrios da história do Camboja.

Os anos de terror sob o regime do Khmer Vermelho no Camboja

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Aquele exército que ocupara Phnom Pehn era liderado pelo Khmer Vermelho, sob o comando de Pol Pot. O grupo que logo em seguida daria início a um projeto de reestruturação completa na sociedade do Camboja, mudando drasticamente, e para sempre, a história do país.

Leia mais: Halong Bay, Vietnã. O paraíso em um país marcado pela guerra

O projeto do Khmer Vermelho defendia a construção de uma nova sociedade, removendo (e destruindo) todos os resquícios da anterior, gerando uma mudança imediata, e sem etapas intermediárias, a um regime socialista inteiramente voltado à produção agrícola.

Pretendiam que o Camboja, do dia para a noite, se tornasse uma sociedade agrária autossuficiente e livre de qualquer influência do mundo exterior. Para que tivessem sucesso, a produção agrícola do país deveria ser triplicada, e eles pretendiam atingir este objetivo através de grandes fazendas de trabalho forçado para onde encaminhava toda a população das cidades.

Assim, logo que o exército do Khmer Vermelho avançou sobre Phnom Penh, a primeira atitude foi esvaziar a cidade. Naquela época Phnom Penh já era uma metrópole e todos os seus moradores, mesmo aqueles idosos ou doentes nos hospitais, foram desabrigados e colocados em longas marchas ao interior do país. Muitos morreram de cansaço no caminho.

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Nas fazendas, o trabalho era em condições precárias, por horas seguidas e sem tempo de descanso adequado. Quem sobrevivia à rotina, ainda recebia pouca comida (uma vez que o objetivo de triplicar a produção era impossível) e não tinha acesso a remédios além da medicina tradicional, com o país fechado ao exterior.

E claro, ainda havia as execuções dos opositores do regime: qualquer um que representasse a menor ameaça era executado. Toda a classe intelectual e artística do país teve esse fim. Bastava ser educado, conhecer outro idioma, não ter calos nas mãos ou qualquer estereótipo que simbolizasse que o indivíduo poderia ser intelectualizado, como usar óculos, por exemplo, era motivo para execução. Além destes, diversas minorias étnicas no país como a população chinesa, vietnamita e o povo muçulmano Cham também foram exterminados num processo de busca de uma “pureza” Khmer.

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Nos quatro anos que o Khmer Vermelho permaneceu no poder, duas milhões de mortes foram registradas no Camboja por fome, doenças, trabalho forçado, e aquilo que o regime do Khmer Vermelho era altamente especializado: execuções políticas.

Em um pequeno espaço de tempo, um em cada quatro (dois milhões numa população de oito) habitantes do país morreu por consequência dos atos do Khmer Vermelho no poder, naquilo que é chamado de Holocausto ou Genocídio do Camboja.

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Imagine como seria sua vida se uma em cada quatro pessoas que você conhece morresse em um intervalo de quatro anos.

Apesar de não falarem muito sobre o assunto, estas marcas não sairão tão cedo da memória da população do Camboja.

Por que visitar Phnom Penh, a capital do Camboja?

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Enquanto em Siem Reap os templos de Angkor são as grandes atrações turísticas do Camboja, por toda a impressionante história secular do império Khmer, em Phnom Penh, o que mais atrai visitantes de todo o mundo são os resquícios e as tristes lembranças ainda vivas do massacre da população cambojana pelo regime do Khmer Vermelho.

Não dá para visitar o Camboja e entender a realidade do país sem que se compreenda o que foram os anos do Khmer Vermelho no poder. E o melhor lugar para isso é a sua capital, Phnom Penh.

Em 2015 passaram-se apenas 40 anos desde a tomada do poder pelo Khmer Vermelho, pouco mais de 20 desde que o país teve eleições livres pela primeira vez após o Genocídio e somente dezessete anos desde que o líder Pol Pot morreu sem ter sido julgado. É tudo muito novo e ainda está muito vivo.

Em Phnom Penh, duas atrações turísticas formam um panorama triste e real como nenhum outro do que foram os anos do regime do Khmer Vermelho no Camboja: a prisão de Tuol Sleng Genocide Museum e Cheoung Ek Genocidal Center, um dos muitos campos de extermínio dos arredores da capital do país.

Tuol Sleng Genocide Museum, a máquina de matar em plena capital do Camboja

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Toul Sleng era uma escola de ensino médio em Phnom Penh, mas como a partir da ordem de poder do Khmer Vermelho toda forma de educação foi abolida, o local tomou a função social daquilo que o regime mais precisava: uma prisão para presos políticos chamada S-21.

Hoje o edifício é um museu do genocídio, mas internamente se mantém como era à época que o Khmer Vermelho governava a capital do Camboja, com salas de aula subdivididas em celas mínimas erguidas com alvenaria ou madeira, ou transformadas em salas de tortura.

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Na entrada, num grande pátio, onde antes adolescentes deviam comer seus lanches, hoje está repleto de túmulos dos últimos presos que morreram na localidade. Além disso, Tuol Sleng era o local onde eram enforcados alguns dos prisioneiros do regime que iam parar ali, sendo possível ainda ver a madeira onde muitos foram pendurados.

É perturbador entrar em salas onde antes havia carteiras e quadros negros – e em algumas ainda há – e ver aparatos de tortura, e pior, com manchas de sangue ainda espalhadas por todo o piso.

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Um dos edifícios ainda mantém a “grade de proteção”, uma rede de arame farpado que impedia que os presos cometessem suicídio.

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Por todos os prédios do conjunto são expostas fotografias dos presos (geralmente antes e depois de serem torturados) que tinham sempre fotos e biografias catalogadas pelo regime, ossadas das vítimas e histórias dos poucos sobreviventes da prisão: sete adultos e duas crianças. Dois dos sobreviventes, que já eram adultos à época, ainda visitam Tuol Sleng diariamente, vendendo seus livros e contando suas histórias, com seus semblantes sofridos que causam dor no fundo da alma só de olhar em seus olhos.

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No calor do Camboja, visitar um ambiente com este é sufocante, mas fundamental para que se entenda o que foi o período do Khmer Vermelho no poder. É preciso ter coragem, mas é uma experiência de fazer repensar a vida.

Tuol Sleng fica bem próxima ao centro de Phnom Penh e pode ser visitada individualmente, mas há enormes ofertas de tours a ser feitos no mesmo dia em conjunto com Cheoung Ek, o campo de extermínio nos arredores de Phnom Penh.

A visita a Cheoung Ek Genocidal Center, o Killing Field de Phnom Penh

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Muita gente morreu em Tuol Sleng, mas a maior parte dos presos estava apenas aguardando serem levados para Cheoung Ek, um dos Killing Fields, como ficaram conhecidos os campos de extermínio do regime do Khmer Vermelho.

Há muitos Killing Fields espalhados pelo Camboja, mas Cheoung Ek, pela proximidade com a capital, tornou-se o mais conhecido e o que tem a melhor estrutura turística.

Cheoung Ek fica nos arredores de Phnom Penh, e muitas vezes é visitado em tours de meio dia combinados com Tuol Sleng, mas na nossa percepção a visita vale um dia inteiro.

O tour, em áudio, é muito bem organizado, com cada visitante recebendo aparelhos individuais explicando cada um dos pontos importantes da localidade, além de depoimentos de sobreviventes e testemunhas do que aconteciam lá. Com este procedimento a visita não só auxilia que cada pessoa aplique seu próprio ritmo à visita, com as paradas necessárias para respirar, como faz com que tudo seja feito num respeitoso silêncio que se faz necessário em um local como este e que seria impossível de conseguir caso funcionasse com guias turísticos presenciais.

Um campo de extermínio nos arredores da capital do Camboja

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Phnom Penh foi esvaziada pelo Khmer Vermelho, mas foi logo reocupada, com a queda do regime e continua crescendo, tendo mais de 2 milhões de habitantes hoje. A área rural onde Cheoung Ek funcionava, agora é um bairro residencial e logo na entrada nos deparamos com várias crianças voltando da escola em suas bicicletas. Ali, na porta de um dos lugares mais assustadores da Terra, crianças sorridentes, acenando para nós com doçura. Valeu a pena para relaxar um pouco antes do que nos esperava atrás dos portões.

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Caminhando com nossos kits de áudio (em inglês), ficamos sabendo que a maioria dos “prédios” que ali existia foi destruída logo no momento da descoberta (para o mundo exterior) do campo de extermínio, mas marcações do que ali havia permanecem lá: o local onde o caminhão cheio de presos parava para descarregar a “carga” na calada da noite, a cabana de madeira onde as pessoas ficavam amarradas, em pleno breu, aguardando seu destino e outros.

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Todas as pessoas que ali chegavam eram informadas que estavam voltando para casa, para suas famílias. Ninguém sabia que estava indo em direção aos seus últimos suspiros.

A maioria era morta assim que chegava, mas no último ano do regime, com a paranoia do Khmer Vermelho encontrando pessoas que “confessavam” serem “espiões” da CIA e da KGB após sessões de tortura, o número de presos aumentou notoriamente. Com isso mais uma construção foi erguida, uma cabana de madeira improvisada para que os carrascos pudessem ter mais tempo para eliminá-los.

As execuções em massa nos campos de extermínio do Khmer Vermelho

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Falar em “Holocausto”, “Genocídio” e “Execuções em massa” faz lembrar de imediato a Alemanha Nazista e as câmaras de gás. Mas no Camboja a coisa era bem diferente.

Imagine um país de terceiro mundo, que abolira sua moeda ou qualquer forma de capital financeiro e se recusava a fazer trocas comerciais com o exterior. Como este país executa milhões de prisioneiros, sem dinheiro para comprar armas e munição ou tecnologia para construir câmaras de gás ou similares, em um curto espaço de tempo?

Prepare o estômago.

O governo do Khmer Vermelho no Camboja não tinha orçamento disponível para comprar sequer as balas de suas execuções, realizando a maioria por espancamento com pauladas, pás e enxadas, gargantas eram cortadas com folhas de árvore afiadas, crânios perfurados com picaretas e machados, esmagados com martelos ou qualquer ferramenta que estivesse à mão no momento.

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Enquanto a barbárie acontecia nos fundos do terreno, para que os gritos agonizantes fossem abafados e não chegassem aos ouvidos dos demais presos, aparelhos de rádio eram presos às árvores e tocavam músicas revolucionárias constantemente.

Ao final, todos eram atirados em valas comuns e seus corpos cobertos com produtos químicos para neutralizar o cheiro.

A quantidade de depressões no terreno pela escavação das valas beira o incalculável.

Além destas, três das valas comuns, enormes por sinal, estão sinalizadas no sítio. A primeira, a maior delas, onde foram encontrados 450 corpos. A segunda, onde foram enterrados somente soldados que se recusavam a continuar matando, todos decapitados. E a terceira e mais triste, onde foram enterradas somente mulheres e crianças.

Phnom Penh Capital Camboja Khmer Vermelho-15
Phnom Penh Capital Camboja Khmer Vermelho-15

Sim, crianças e bebês morriam para que não buscassem vingança quando adultos.

Logo ao lado deste terceiro e enorme túmulo coletivo, uma árvore, cheia de fitas coloridas, decorada pelos visitantes em respeito ao lugar, era onde os soldados matavam os bebês, segurando-os pelas pernas, esmagavam seus crânios contra o tronco.

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Respira. Dá um tempo. Volta depois se quiser.

Acima de tudo isso, o mais perturbador em Cheoung Ek era caminhar pelo local. Ainda há trapos de roupas dos que ali morreram e é possível encontrá-los por todo o lado. A cada período de chuvas, uma parte da terra é lavada e mais roupas surgem, junto aos restos de ossadas e dentes. Muito, muito chocante.

Phnom Penh Capital Camboja Khmer Vermelho-15
Phnom Penh Capital Camboja Khmer Vermelho-15
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A visita termina em uma enorme estupa budista construída para conservar as ossadas encontradas nas valas. Uma parede sem fim até o teto, com crânios de pessoas de todo o Camboja, que nem se conheciam, mas terminaram juntas, no mesmo local. Hoje seguem ali, gritando para nós sobre o quão doentio pode ser o ser humano.

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Sobre o Autor

Carlos Arruda

Carlos Arruda é um viajante desde muito jovem, impulsionado por sua vontade de conhecer locais distantes desde muito cedo, mesmo com recursos limitados. Essa característica o transformou em um habilidoso planejador de viagens.

Com uma visão analítica e uma paixão por decisões baseadas em dados, Carlos acredita que o segredo para uma viagem livre de contratempos está na precisão do planejamento. Seu objetivo é encontrar o equilíbrio perfeito entre a quantidade de dados e informações disponíveis e a emoção de uma experiência especial.

Sua formação em arquitetura e urbanismo confere uma vantagem distinta às narrativas que desenvolve. Atualmente, como escritor dedicado ao mundo das viagens, seus artigos não se limitam à mera observação das estruturas urbanas, destacando os detalhes e explorando as complexidades das diversas culturas ao redor do mundo. Seus textos inspiram e capacitam os leitores a planejar suas próprias jornadas com precisão e confiança.

12 Comentários

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  • gostaria de umas informaçao , meu marido esta phonn phem esta esperando pra vim pro brasil , qual dia tem voo , horario peço

  • Parabéns pela exaustiva e correcta descrição do que eu mesmo vi, em Março deste ano!
    Triste, mas real!
    E dei por mim, a lembrar o momento que decidi abandonar o Ek, depois de chegar, se não me engano, ao ponto 16 ou 17.
    Dei por mim a sair dali sem olhar para trás. Aquela árvore foi a causadora de um sentimento terrível que me levou a soluçar, sempre que o meu motorista de tuk tuk falava comigo. Não conseguia dizer nada e tive mesmo de lhe pedir para não falar comigo até ordem em contrário.
    Não estava em condições de ouvir, a voz de nenhum ser humano.
    Nessa noite, segunda em Phnom Penh, depois de quase dois meses pela Tailândia e Vietnam, não jantei e fui para a cama muito cedo.
    É um soco no estômago de qualquer um!
    Quando cheguei à S21, já ia preparado para tudo e entrei como um bloco de gelo! Frio! E assim fiquei, na defensiva, enquanto visitava tudo, de forma mais apressada. Claro, guardando na memória, tudo o que vi para dar a conhecer a outros, principalmente aos meus, o que nunca deve ser esquecido.
    Vou começar a esboçar o meu blog, mas de uma forma diferente. Haja tempo.
    Mais uma vez, parabéns pelo blog.
    Obrigado.

    • Obrigada pelo comentário, Victor. Phnom Penh foi uma das experiências mais tristes que tivemos. Aquilo tudo é o extremo da crueldade, e olha que moramos no Rio de Janeiro e já visitamos lugares bem pesados.
      Boa sorte no blog novo!

  • Sou graduado em Relações Internacionais e estudar essas partes trágicas da história da humanidade é o cotidiano da nossa disciplina. Já li muita coisa. Mas o relato de vocês eleva a proximidade e pessoalidade desse horror a outro nível. Eu realmente tive que parar, respirar e voltar depois, na parte dos bebês.

    Parabéns por não se aterem apenas a um relato das ruínas de Angkor, mas por trazerem à tona de forma tão tocante e corajosa aquilo que nunca deve ser esquecido!!

    • Obrigada pelo comentário, Paulo. Em nossa passagem pelo Camboja, gostamos mais de Phnom Penh do que de Siem Reap, talvez por ser uma história tão recente e tão próxima da nossa realidade. Sempre procuramos incluir em nossos roteiros as mais diversas faces dos países, e infelizmente no Camboja teve o Khmer Vermelho e esse tipo de coisa não pode ser esquecido 🙁

  • Realmente muito, muito triste. Se fosse um filme, seria até difícil acreditar que fosse verdade. É impressionante (e aterrorizante) o que um ser humano é capaz de fazer. Paz para as almas que se foram.

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