Visitar Chernobyl foi o ponto mais alto de nossa viagem pela Ucrânia e um dos lugares mais marcantes que já visitamos em nossas vidas. Foi bastante difícil planejar também, pois as informações sobre os tours que vão até lá são praticamente inexistentes em língua portuguesa. Ainda são poucos os turistas que têm coragem de ir até Chernobyl, mas podemos garantir: é um tour bastante seguro se for feito da forma certa e com empresas sérias. Neste post iremos contar como visitar Chernobyl é mais simples e seguro do que muita gente pensa.
O acidente nuclear de Chernobyl
A Ucrânia era parte da União Soviética e só se tornou independente depois da queda do bloco socialista, em 1989. Em seu território ficava o complexo de reatores da usina nuclear mais importante do país, chamada V.I. Lenin, que ficou internacionalmente conhecida como a Usina Nuclear de Chernobyl.
Em 25 de abril de 1986, um dos reatores da usina, o V.I. Lenin IV, estava agendado para participar de um teste de segurança durante a noite. Já na madrugada do dia 26, o exercício que era para ser de rotina deu incrivelmente errado e superaqueceu o reator, contando ainda com a falta de experiência da equipe que estava de plantão no dia. O erro no teste resultou no maior desastre nuclear da história.
O reator pegou fogo e explodiu. Todos que estavam próximos morreram na hora. Os bombeiros que tentaram controlar o incêndio – achando que tinha causa elétrica, apenas – faleceram dias depois, devido à altíssima contaminação a que foram expostos.
Em tempo de Guerra Fria, a União Soviética tentou esconder do mundo o desastre. A população que vivia próximo à usina ficou um dia inteiro sob os efeitos da radiação sem saber, até que a decisão de evacuar totalmente a cidade fosse tomada. Muitos morreram dias, meses e anos depois, por efeito da radiação. Adultos, crianças, idosos, e até fetos foram contaminados e não conseguiram sobreviver devido a câncer ou má formação. A fauna da região desapareceu e a floresta de pinheiros no entorno ficou vermelha devido aos efeitos radiativos.
Por fim, a notícia do acidente só chegou ao mundo depois que a nuvem de radiação chegou à Suécia, que lá detectou a alta radiatividade e alertou o mundo sobre algum problema ocorrendo na Europa. Já não dava mais para esconder o que havia acontecido na Ucrânia.
Acidente de Chernobyl… ou Pripyat?
Após a propagação das notícias do desastre, o evento ficou conhecido pelo nome de Chernobyl, que era uma das cidades da região afetada. Mas a usina ficava mais próxima da cidade de Pripyat, onde morava grande parte dos seus trabalhadores e foi o local mais afetado pela radiação.
Pripyat era maior, mais populosa e desenvolvida do que Chernobyl, mas foi esta última que deu nome ao desastre por ser uma cidade de formação mais antiga.
Pripyat havia sido fundada em 1970, apenas 16 anos antes do acidente. Por conta disso a cidade ainda não figurava nos mapas internacionais da época. Perto dela, Chernobyl possuía uma história de cerca de 800 anos, sendo esta usada como referência na hora de apontar o local do acidente.
Pripyat, por sua vez, foi construída para servir como cidade modelo. Era um exemplo de cidade soviética bem sucedida, com uma sociedade voltada para a educação, esportes e hábitos de vida saudáveis. Possuía mais de 49 mil habitantes na época do desastre.
As consequências do desastre
O acidente em Chernobyl pode ser considerado uma das causas diretas para queda da União Soviética, pois a imagem do país ficou desgastada depois dessa catástrofe, numa época em que duas potências disputavam o domínio tecnológico mundial. Mas o motivo principal foi financeiro: muito dinheiro teve que ser realocado de outros setores pelo governo para conduzir o processo de contenção da radiação, limpar a área e construir o enorme sarcófago que engole o reator IV. Ou se tomava esta atitude ou todo o território da Europa corria o risco de ficar inabitável.
Felizmente o pior foi evitado.
Após o acidente, tanto Chernobyl quanto Pripyat e mais uma enorme área que engloba tanto o norte da Ucrânia quanto parte da Bielorrússia passaram a formar uma “zona de exclusão”. Hoje as antigas cidades soviéticas que ali estavam localizadas formam um grande “museu” a céu aberto. São ruínas que contam como era a vida soviética na prática, congeladas no momento em que o reator IV explodiu.
Em Chernobyl, hoje a fauna está voltando ao lugar, com lobos, cavalos selvagens, veados e raposas retornando à zona de exclusão. O turismo, altamente controlado pela Ucrânia, cresce a cada dia mais. Visitar Chernobyl hoje é uma atividade cada vez mais segura e incentivada pelo turismo local.
Como visitar Chernobyl hoje em dia?
Depois de ler toda a descrição sobre o desastre você deve estar se perguntando “por que diabos alguém ia querer visitar um lugar assim?”! Mas continue lendo, que até o final eu vou ter te convencido de como visitar Chernobyl pode ser uma das melhores experiências em viagens que você terá na vida.
A visita a Chernobyl só pode ser feita através de tours registrados pelo governo da Ucrânia. O controle é altamente rigoroso, tanto na entrada, como na saída. É como se o turista estivesse entrando em outro país, passando inclusive pela imigração. É obrigatória a apresentação do passaporte.
Alguns turistas tentam entrar na zona de exclusão por conta própria, mas é altamente desaconselhado, pois patrulheiros caminham dia e noite pelas ruas de Pripyat para manter a segurança do local.
Como e onde reservar um tour por Chernobyl saindo de Kiev
Nós contratamos o tour da Chernobyl Welcome, que possui parceria com o Museu Nacional de Chernobyl, em Kiev. É uma das mais procuradas do mundo para esse tipo de tour e possui escritórios em vários outros países.
Além dela há várias outras empresas, sempre com saídas de Kiev, como a Go2Chernobyl e a Chernobyl Time.
Por conta do rigoroso controle de acesso do governo ucraniano, fazer uma reserva com antecedência é obrigatório para garantir sua visita a Chernobyl. É o passeio mais procurado por quem vai visitar Kiev.
Os tours com a Chernobyl Welcome
Preferimos reservar o tour com a Chernobyl Welcome por conta das inúmeras referências positivas que a empresa tem. Apesar de ser um pouco mais caro não queríamos arriscar visitar Chernobyl sem saber com quem estávamos lidando.
De fato, a empresa é bastante organizada e oferece 2 tours diferentes para Chernobyl, sendo o mais famoso deles de 2 dias na zona de exclusão. Infelizmente não pudemos ir nesse tour mais extenso, pois ele só ocorre nas sextas e sábados, o que não batia com nossas datas de viagem pela Ucrânia, mas queremos muito voltar para fazer! Neste caso, os turistas passam a noite em um hotel na zona segura de Chernobyl.
Caso a ideia de dormir na zona de exclusão te preocupe pela presença da radioatividade, tenha certeza que tudo é bastante seguro. A gama de radiação em Chernobyl hoje não é mais tão alta. Durante um tour de 2 dias seria o equivalente a uma sessão normal de raio-X que fazemos regularmente em clínicas e hospitais.
Já o tour que fizemos, o Retro Tour de um dia inteiro, sai todos os dias da semana, só sendo cancelado caso a zona de exclusão esteja em manutenção, mas isso é avisado com antecedência.
No tour estão incluídos:
- Entrada para a zona de exclusão de Chernobyl e Pripyat
- Almoço
- Guia em inglês
- Seguro de saúde obrigatório (mesmo você já tendo um)
- Transporte de ida e volta para Kiev com ar condicionado e wi-fi
- Um contador Geiger-Muller que monitora a radiação local
- Mapas de Chernobyl e Pripyat
- Cartões postais
- Um presente especial
- Descontos para outros tours da empresa
- Entrada incluída no Museu Nacional de Chernobyl
Regras para visitar Chernobyl
Ao fazer sua reserva, independente da empresa e duração do tour escolhido, serão solicitados os dados de seu passaporte, que são transferidos para o governo da Ucrânia (que é quem de fato autoriza o ingresso dos turistas). Ao chegar à fronteira da zona de exclusão, os soldados terão seu nome e seu número do passaporte em uma lista. Bem rigoroso mesmo, e ótimo para passar confiança também.
No email de confirmação estarão descritas outras regras que devem ser seguidas durante o tour, como:
- Usar roupas que cubram as pernas e os braços
- Proibido levar bebidas alcoólicas, comer e fumar na zona de exclusão
- Proibido tocar em qualquer objeto nas cidades fantasmas
- Proibido entrar em edifícios que não estejam no programa
- Proibido usar drones nem apoiar câmeras no chão
- Proibido levar objetos embora com você (mesmo se tentar, os detectores no final do passeio irão rastrear)
- Passar por controle de radiação na saída do passeio pelos agentes da zona de exclusão. (Se algum objeto estiver contaminado, terá que passar por um processo de descontaminação ou de destruição. Por isso, não retire nada da zona de exclusão, eles irão saber.)
O que é visto ao visitar Chernobyl atualmente?
Abaixo listamos o programa básico de um tour de um dia por Chernobyl, mas a ordem da visita pode ser mudada de acordo com as especificações do governo.
Em Chernobyl:
- Placa de entrada de Chernobyl
- Beco da Memória e da Esperança e Woodworm Star Memorial
- Monumento Daqueles que Salvaram o Mundo
- Sistema de Radares Duga
- Interior da Estação de Bombeiros
- Interiores dos Apartamentos em Chernobyl
- Interior do Jardim de Infância em Zalissya
Na Usina Nuclear:
- Almoço na Cantina da Usina
- Sarcófago e Vista Panorâmica da Usina
Em Pripyat:
- Entrada e Ruas de Pripyat
- Interior da Piscina Pública Lazurny
- Interior da Escola
- Estádio de Futebol
- Parque de Diversões
- Restaurante e Supermercado
- Praça Central de Pripyat, Hotel Polissyia e Palácio de Cultura Energetik
- Café e antigo Porto no Rio Pripyat
Como é o tour por Chernobyl, saindo de Kiev
O tour começa em Kiev, em frente à Estação de Trem Principal da cidade, perto do KFC. Lá, entramos na van e seguimos em direção a Chernobyl. Nossa guia foi a Tanya e ela já estava há um ano trabalhando nesse tour, sem preocupações. Foi muito legal ver a visão do acidente através de sua percepção, pois ela tinha 6 meses de idade quando houve o desastre e pôde nos contar histórias passadas pelos pais dela na época.
A van é equipada com ar condicionado (no dia em que fomos estava muito quente) e com wi-fi, para que os visitantes possam compartilhar fotos em tempo real. São quase 2 horas de estrada até Chernobyl, com uma parada em uma loja de conveniência antes de chegar lá para quem quiser comprar água e snacks. A estrada é muito linda, e passamos por um imenso campo de girassóis pelo caminho.
A zona de exclusão de Chernobyl
Chegando na “fronteira” da zona de exclusão, é preciso passar pelo detector de metais e as bolsas pelo raio-X. Depois, é só aguardar o soldado chamar seu nome e pedir para conferir o passaporte para liberar a entrada.
De lá ingressamos na van novamente e fizemos a primeira parada em frente à placa de entrada da cidade de Chernobyl, escrita em ucraniano.
Monumentos e homenagens
Da placa de entrada, a próxima parada é o Beco da Memória e da Esperança. Hoje é um descampado, com inúmeras placas com o nome das cidades e vilarejos afetados durante o acidente. Lá é um lugar bastante visitado pelos antigos moradores das cidades, que deixam flores e se encontram para partilhar lembranças.
No final do beco fica uma enorme estátua de um anjo tocando uma trombeta, que se chama, em inglês, Wormwood Star Memorial. Essa estátua é bastante curiosa, pois, algumas pessoas afirmam que o acidente de Chernobyl já havia sido profetizado na Bíblia, mais especificamente em Apocalipse 8-11. O verso da Bíblia diz: E o terceiro anjo tocou a trombeta, e caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma tocha, e caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes das águas. E o nome da estrela era Absinto, e a terça parte das águas tornou-se em absinto, e muitos homens morreram das águas, porque se tornaram amargas. Chernobyl, em ucraniano, quer dizer “erva negra” – em inglês Wormwood, nome vulgar da planta a partir da qual é feito o absinto.
Entramos de novo na van e seguimos até o edifício do Corpo de Bombeiros de Chernobyl. Lá está em sua entrada uma estátua homenageando os seis bombeiros que deram suas vidas tentando apagar o fogo que queimava no reator 4.
O nome do memorial é Monumento Daqueles que Salvaram o Mundo. Ali, Tanya nos contou sobre a triste história da esposa de um dos bombeiros que, teimou em ver seu marido no hospital, mesmo sendo estritamente proibido. Eles haviam casado há pouco tempo e ela estava grávida, mas não sabia ainda. Seu marido morreu dias depois e ela chegou a dar a luz a uma menina quando deu a hora, mas esta não vingou devido ao altíssimo nível de radiação a qual a mãe recebeu estando em contato com seu pai.
As torres de espionagem soviética
Seguimos de van por muito tempo dentro de uma vasta floresta de pinheiros. A entrada da estrada é localizada por um ponto de ônibus com desenhos infantis, que os soviéticos fizeram para indicar que ali era um campo de colônia de férias, mas na verdade era só para despistar as enormes torres de espionagem que foram construídas em meio à floresta.
No caminho até as torres fomos recebidos por Tarzan, o primeiro animal que vimos na zona da exclusão, um cachorro vira-lata muito simpático. De início todos ficamos apreensivos de tocar nele, com medo dele ser radioativo, mas Tanya nos disse que os animais que hoje nascem na zona de Chernobyl são tão saudáveis quanto os do mundo exterior.
O Sistema de Radares Duga é formado por colossais torres de espionagem da época da Guerra Fria. É um complexo de torres gigantescas que captavam mensagens de satélites e rádio. Algumas pessoas desobedecem às ordens e sobem até o topo das torres para tirar fotos lá de cima, mas é altamente desaconselhável, em via que as estruturas estão bem danificadas devido a anos de desuso.
Os edifícios de Chernobyl
Após nossa ida às torres, seguimos até o antigo prédio do Corpo de Bombeiros de Chernobyl, tomado pelas plantas. Podemos ver nas paredes os horários dos funcionários, salas, banheiros e um antigo salão com pinturas feitas pelos bombeiros na parede.
De lá, seguimos até um complexo de apartamentos em Chernobyl, um dos pontos altos do tour. Podemos entrar em cada um dos apartamentos em um prédio abandonado na cidade, tomado pelo tempo e pela natureza. Subimos as escadas até o quinto andar, entramos em cada um dos lugares, ainda com números nas portas, papéis de parede descascados, banheiros com azulejos, alguns sapatos, varandas que hoje dão para a vasta floresta e um lindo piano que ainda funciona. Incrível poder ver um apartamento tão atual naquela forma tão degradada. O prédio é um parque de diversões para quem gosta de lugares abandonados.
Após passar um tempo explorando os apartamentos, vamos até o prédio do Jardim de Infância do vilarejo de Zalissya, que é um dos momentos mais impactantes da viagem. Na frente da escolinha, nossa guia aciona o medidor de radiação, e ele dá uma disparada, mostrando que o solo ali ainda estava contaminado. Mas são pouquíssimos pontos no tour onde isto ocorre atualmente.
Dentro do jardim de infância encontramos desenhos infantis, muitas bonecas, sapatinhos e salas repletas de caminhas e beliches onde ficavam as crianças durante a tarde.
A Usina de Chernobyl e o Sarcófago do reator 4
Logo após essas visitas, seguimos até o centro de Chernobyl, onde algumas pessoas ainda moram. Paramos em frente ao Rio Pripyat, de onde podemos ver o Sarcófago onde fica o reator 4, hoje selado, que explodiu no acidente. Lá, na beira do rio, vemos uma raposa super simpática, que já conhece os guias e sabe que ali receberá comida. Depois de alimentada, ela some na floresta no entorno, e é a nossa hora de almoçar.
O almoço do tour é feito na Cantina da Usina de Chernobyl, onde precisamos passar pelo controle de radiação antes de entrar no recinto. A comida é tradicional ucraniana, simples, mas bem farta, com direito a sopa russa, arroz com peixe, salada, dois sucos e pão. Lá também ficam os banheiros, para quem precisar usar.
De lá seguimos até a área em frente ao famoso reator 4, oficialmente chamado de V.I. Lenin IV, que explodiu e causou o maior desastre nuclear da história. É uma parada imperdível para quem quer visitar Chernobyl.
À nossa frente fica o grandioso Sarcófago, que guarda em seu interior os restos do reator, selando sua radiação em várias camadas de metal e cimento, evitando que vaze. A instalação é a maior construção contínua do mundo, e continuará crescendo para que qualquer problema seja evitado no futuro. Muitas pessoas ainda trabalham ali, para manter a proteção do local. Os outros reatores, quatro no total, continuaram em funcionamento até 2000, quando foram desativados definitivamente.
Existem alguns tours que ingressam em um dos reatores, podendo ver como funcionavam na época, com os enormes painéis de controle, tudo fiscalizado, claro.
Depois de ver o malfadado reator 4, seguimos para a cidade fantasma de Pripyat, a que mais sofreu durante o acidente de Chernobyl e o local mais incrível e aterrador de todo o passeio.
A cidade modelo de Pripyat
Pripyat foi uma cidade erguida para ser modelo da modernidade na sociedade soviética, com prédios de design sucinto, mas ainda assim, muito modernos. Parece até ironia do destino, mas não existe lugar melhor para entender como era a vida soviética do que Pripyat. Ali estão os últimos registros de uma cidade que nasceu na União Soviética, e que desapareceu ainda antes de sua queda.
Diferente de outras cidades russas e ucranianas, que possuem grande influência do império antes da Revolução Russa, Pripyat apresenta tudo que o regime socialista pregava na URSS. Ali vivia uma sociedade muito bem organizada, proativa, focada em esportes e com uma vida bastante regrada.
Paramos na placa de entrada de Pripyat, onde tiramos uma foto em grupo. Logo depois caminhamos por suas ruas, irreconhecíveis, tomadas pela mata. Tanya nos mostra fotos do local exatamente onde foram tiradas na década de 1980. E aos poucos a cidade vai tomando forma em nossas mentes. A estradinha de cimento cercada de grama se torna rua, com faixa de pedestres. Um semáforo aparece ali, enferrujado em meio às árvores. Podemos imaginar carros e motos passando por meio a nós. Uma experiência única, como se víssemos um filme de viagem de dentro de uma máquina do tempo.
Os “cartões-postais” de Pripyat
Uma vez em Pripyat, seguimos aos pontos que acredito que sejam os mais esperados pelos visitantes, que se tornaram verdadeiros (e tristes) cartões postais:
A Piscina Pública Lazurny, que ficava dentro de um complexo esportivo com academia e quadras de basquete. Enorme e vazia, é arrepiante. Seus azulejos estão descascados e pichados, seu fundo está repleto de objetos jogados ali durante os anos. O trampolim ainda se ergue do chão. No fundo, um relógio que marca exatamente a hora em que o reator explodiu. É uma vivência que vai além de fotos. É como se estivéssemos visualizando o destino da Terra na nossa frente.
Continuamos caminhando pelas ruas que não parecem mais ruas, até chegar na Escola. A entrada lembra o chão da casa de nossas avós. Sabe aquelas calçadas com azulejos picadinhos em cor marrom? Então, assim são as paredes externas do colégio. Conforme você vai entrando, novas reações vão surgindo. Janelas abertas, salas com carteiras cobertas de poeira, o refeitório repleto de máscaras de gás deixadas para trás pelos aniquiladores (profissionais que foram responsáveis durante as décadas seguintes ao desastre por descontaminar o ambiente).
Mas o mais impactante talvez seja perceber que em vários momentos você estará caminhando sobre um mar de livros. Livros infantis, livros com rosto de Lênin, cadernos de caligrafia, com correções da professora.
Saindo da escola, passamos pelo estádio de futebol, do qual hoje só restaram as arquibancadas e seguimos em direção ao maior cartão postal da cidade fantasma de Pripyat: o Parque de Diversões.
Este parque nunca chegou a ser inaugurado oficialmente, pois teria sua abertura feita nas celebrações de 1 de maio, dia do trabalhador, mas o reator de Chernobyl explodiu 5 dias antes. Ele nunca chegou a receber seus visitantes, mas lá está a famosa roda gigante e a área dos carrinhos bate-bate amarelos, abandonados.
Outros edifícios em Pripyat
Seguindo pelas ruas de Pripyat, passamos pelo restaurante, onde ocorria um casamento enquanto o reator pegava fogo e pelo supermercado, este totalmente revirado, com suas alas ainda simbolizadas em cirílico, carrinhos de compras espalhados aqui e ali.
Mais uns metros adiante e estamos na Praça Principal de Pripyat, a Praça de Lênin, enorme, como toda praça da era comunista, em art decó, com colunatas na frente do Hotel Polissiya, que recebia as maiores autoridades quando iam visitar a cidade. Ao lado do hotel fica o Palácio de Cultura Energetik, que contava com cinemas, salas de exposições, sendo um grande centro cultural da cidade.
Por último, seguimos até o antigo Porto de Pripyat, nas margens do Rio Pripyat, atrás do famoso café da cidade. É estritamente proibido entrar no café, pois é um dos locais mais contaminados da cidade. A nossa guia, mais uma vez, pega o medidor de radiação e o coloca perto do solo no porto, e ele dispara como nunca antes. A área do porto foi a que recebeu os maiores índices de radiação, pois o vento soprou diretamente para lá, contaminando bastante o lugar.
O retorno ao mundo real
Ao fim da visita, passamos novamente para a “fronteira” da zona de exclusão de Chernobyl, onde temos que entrar em uma máquina de controle de radioatividade para ver se está tudo ok antes de voltarmos ao mundo real. Enquanto estamos sendo monitorados nas salas pelos soldados, outros fiscalizam dentro das vans para ver se ninguém está retirando algo da zona excluída, o que é proibido. Retornamos para nossa van e voltamos a Kiev.
Para quem faz o tour com a Chernobyl Welcome, no meio do caminho de volta recebe alguns cartões postais de Pripyat e a surpresa prometida. Não vou falar porque… é uma surpresa!
Depois de chegarmos ao mesmo ponto de encontro lá do início, ainda voltamos de metrô com nossa guia, que nos explicou mais sobre a cidade e quis entender nossa forma de viajar e trabalhar.
Visitar Chernobyl vale a pena no final das contas?
Chernobyl é um lugar único do mundo. Uma visita que nos emocionou como poucas nesses anos de viagem. É incrível poder caminhar por uma cidade inteiramente vazia e ver como seria o mundo sem a presença de humanos. Mas ao mesmo tempo é assustador perceber o quanto o ser humano pode ser perigoso para nós mesmos e para nosso planeta.
Chernobyl hoje é um lugar vazio. São carcaças de cidades que um dia foram brilhantes. Ali, o silêncio impera. A gente consegue perceber ali que não temos certeza de nada e que a vida é muito frágil. Visitar Chernobyl é triste, mas ao mesmo tempo abre nossos olhos. A gente dá ainda mais valor à vida que temos, e percebemos simultaneamente como somos falhos. O ser humano é o animal mais inteligente da Terra, mas podemos ser os mais estúpidos também.
Visitar Chernobyl não tem nada de mórbido, muito pelo contrário. Ali é história viva, para não deixar esquecer. Aqueles prédios, tomados hoje pela mata, estão ali para nos dar uma lição. Para nos importarmos com o planeta, para nos importarmos com a natureza. A história nem sempre é bonita ou feliz. O importante, no final de tudo, é como levamos aquilo pra vida. Visitar Chernobyl não é diferente de visitar Roma, ou Paris. É uma aula de história que nos conta sobre a evolução humana. Se pensarmos em todos os lugares turísticos construídos em cima de dor, não visitaríamos nada. O Coliseu foi construído para matar humanos. Na praça em frente à Notre Dame muitos foram queimados acusados de feitiçaria. Nenhum lugar está imune. As ruínas de Chernobyl são tão nobres quanto às do Fórum Romano, e nos ensinam tanto quanto.
Mas, de todas as ruínas já visitadas, nenhuma nos impactou tanto quanto as de Chernobyl. Pripyat é contemporânea demais para não se deixar abalar. O acidente aconteceu na década de 1980, praticamente ontem. É impossível entrar em seus prédios e não imaginar uma família ali morando. Ou em um supermercado sem pensar em tantas pessoas empurrando seus carrinhos de compras. Ou no parque de diversões, com tantas crianças se divertindo. É tudo real demais.
Uma viagem no tempo palpável demais para nós humanos. Pode ser dolorido, mas super válido. E a vontade de voltar lá aumenta a cada foto revista, a cada texto escrito e lido e a cada vídeo assistido. Nós voltaremos lá, pode ter certeza.
Infográfico: Como visitar Chernobyl hoje em dia
Salve estas dicas de Chernobyl no Pinterest!
Com a guerra russia x ucrânia, sabe me dizer se ainda está tendo as visitas?
E os animais? Vivem como? Vi uma foto com cães.. como eles vivem nesse lugar vazio?
Existem pessoas que nunca sairam, e pessoas que ainda moram lá. A área já está bem recuperada, os cães já nascem saudáveis e são cuidados por quem mora lá.
Uau!
Definitivamente o melhor conteúdo sobre Chernobyl. Agradeço muito por compartilhar sua experiência.
Em breve mando notícias sobre uma possível visita lá.
Obrigada pelo comentário! Fico no aguardo pelo seu retorno!
Muito interessante o texto! Uma dúvida que fiquei seria em relação oas valores do passeio. Teria como nos informar mais ou menos o custo?
Luís, veja nos links informados os valores atualizados
Larissa, muito bacana seu texto, história pura.
Não tem como deixar de imaginar como eram esses lugares no momento da explosão;
As fotos e os textos se completaram. A da piscina então…
Parabéns.
Obrigada pelo comentário, Jackson, fico feliz por ter gostado!
Poucas vezes li um texto sobre viagem tão atraente. Simplesmente, magnífica a forma da escrita, conseguindo despertar a vontade de com tecer lugar. Parabéns!
Muito obrigada pelo seu comentário, Jason, ficamos muito felizes quando conseguimos esse tipo de conexão. Espero que um dia você possa ir a Chernobyl.
Assisti à série Chernobyl e fui pesquisar sobre o acidente nuclear, já que na época eu tinha 9 anos e foi, inclusive, o ano em que morreu meu pai. Estava começando a me entender por gente naquela época e me lembro do Cid Moreira dando a notícia no Jornal Nacional. Estou bastante animado para fazer esse passeio e já comecei o planejamento. Obrigado pelas dicas!
Nossa Marco, imagino o impacto que deve ter sido pra você, nos 2 aspectos. 1986 marcou bem a sua vida. E vc vai adorar o passeio, se planeje sim!
Olá, alguém sabe quem organiza viajens a Chernobyl em Portugal
Não conheço, João. Minha recomendação é ir a Kiev por conta própria e contratar lá alguma das agências que fazem o passeio a Chernobyl.
Sou geógrafa e esse tema Chernobyl sempre me atraiu. Achei o texto super bem escrito, com suas referências e ilustrações. A leitura é muito fluida em todo o texto e por vezes me fez sentir espanto, tristeza, esperança… ao perceber a realidade do lugar. Parabéns e obrigada.
Muito obrigada pelo seu comentário, fico muito feliz em ver que gostou do texto, ainda mais sendo geógrafa!
Perfeito! Já estou com vontade de conhecer a cidade de perto.
Obrigada! Na torcida pra você conseguir ir!
Amei seus relatos! Adoro história e seria o máximo conhecer Chernobyl, mas creio que ainda teria bastante receio.
Quando vi as fotos e sua camiseta do Quentin Tarantino…aí fiz mais questão de ler tudo até o final, agora vou dar uma xeretada no blog!
Ahhhh adorei o comentário! Obrigada pela confiança no nosso conteúdo e que bom que o Tarantino te prendeu hehehe
E Chernobyl é demais, vale a visita quando as coisas melhorarem!
Perfeito!
Ah, que descrição maravilhosa!!!
Sabe dizer se é um passeio que da pra fazer com criança?
Sempre tivemos vontade de conhecer, mas temos um bebê de um ano e não podemos nem queremos viajar sem ele.
Obrigado por tanta informação. S2
Oi Tiago, olha, não acho muito prudente, não, ainda mais com uma criança tão nova. Lá não tem estrutura caso precise trocar as fraldas, abrir bolsas, etc. É tudo realmente abandonado e não é recomendado tocar em nada. Acho melhor esperar ele crescer um pouquinho.
Viajei lendo! Muito obrigada pela materia!
Obrigada pelo comentário Ane!
Que massa essa matéria!
Muito bem construída, cheia de detalhes… parece que eu fui lá com você!
Muito obrigada por partilhar e sucesso na sua vida!
Obrigada pelo comentário, Marcella! Chernobyl é incrível demais!
Podem me chamarem de doido, mas eu sou louco para esse lugar !
Não é doido não hahahaha se for assim, também somos!
Achei muito interessante está viagem,mesmo tendo 10 anos quero muito estudar chernobyl e sua radiação descobrindo sua cura,mas um dia ainda quero viajar para lá.
Oi Sophia! Vá planejando sim e quando você estiver grande e puder ir, já vai saber de tudo e vai aproveitar a viagem bem mais! Obrigada pelo seu comentário!
Simplesmente uma das melhores e mais completa dicas de viagem! Arrasou! Quero muito conhecer!! Obrigada por nos proporcionar essa riqueza de detalhes.
Obrigada pelo comentário, Aline! Ficamos felizes que tenha gostado!
Parabéns pela riqueza de detalhes, esse passeio farei em breve já estou me programando e depois de ler a matéria fiquei ainda mais empolgado!
Que bom, Eliezer! Volte aqui pra nos dizer o que achou! 🙂
Olá, muito ilustrativa a narrativa de sua experiência neste passeio. Primeira semana de Maio estarei também desfrutando dele, bem orientado e motivado. Obrigado!
Que bom, Marco! Depois volte aqui pra nos contar como foi!
Gente meu sonho é ir visitar esse lugar, espero daqui uns anos poder fazer esse tour .
É incrível, que seu sonho se realize!
Adorei o conteudo, pois eu e meu marido estamos nos organizando para visitar Chernobyl! Mas recomendo fortemente que você visite Fordlandia no Pará! :*
Oi Carolina! Só ficamos sabendo dessa cidade lendo seu comentário! Obrigada pela dica, muito legal!
Olá, Larissa, tudo bem?
Primeiramente, obrigado por essas informações, serão valiosíssimas para a minha próxima passagem pela Europa. Kiev e o tour a Chernobyl, já estão no meu roteiro, que será realizado em Junho de 2020.
Quanto ao uso de celular, corremos algum risco de termos que deixar por lá, por conta da contaminação?
Obrigado!
Oi Maurício, não, não tem problema com o celular não, inclusive tem wifi na van do tour. Levamos os nossos celulares e câmeras fotográficas profissionais e não tem problema não 🙂
Olá , estou com viagem agendada pra Kiev no final de Janeiro. Ja comprei o tour para Chernobyl. Todas as recomendações falam que é um passeio incrivel. Obrigado pelo relato. Alguma dica em especial ??
Oi Reinaldo, que legal que vc vai a Chernobyl, é inesquecível! Olha, as dicas todas já estão no post, não deixamos nada de lado não!
estranho a usina nuclear de Chernobyl espludir eu quero muito conhece Chernobyl eu não era nascida na época que a usina nuclear de Chernobyl espludir eu quero muito saber o que aconteceu na usina nuclear de Chernobyl chau e beijos viva Chernobyl
Tranquilo, Letícia, eu também não era nascida!
Tenho muita vontade de conhecer Chernobyl,pelo que eu li na materia ter tour que ofecerem visita a sala de controle do reator 3, so que outro problema nao falo ingles direito
Sim, tem a visita a sala de controle, mas são nos passeios de 2 dias, nós fizemos só o de 1 dia.
Inglês seria essencial pra entender as explicações.
Tenho muita vontade ir, mas também não falo inglês….Quem sabe um dia.
Olá, pessoal! Primeiramente gostaria de agradecer à Larissa pelo post e pelas informações e dicas valiosas desta visita a um lugar surreal e até pouco tempo “distante” da nossa realidade.
Vou fazer uma viagem para o Leste Europeu em fevereiro de 2020 e estou pensando seriamente em desviar o itinerário para a Ucrânia para realizar este tour pela usina de Chernobyl e Prypiat.
Como vou no invernotour no inverno, sei que as temperaturas são negativas e me parece que anoitece por volta de 15:30 hrs. Como nunca vi nenhum comentário ou foto dos lugares no inverno, só dos campos verdes e vistosos, gostaria de saber se a visita fica muito prejudicada no inverno.
Não fica não, Mayron. Os tours funcionam durante o inverno também, acredito que deva ser até mais bonito. Se tiver algum problema em relação a nevasca e tal, a empresa avisará antes.
Quanto tempo dura o passeio de um dia na usina? Desde de ja, obrigado!
Oi Pedro, aproximadamente 12 horas, desde o encontro no ponto de partida, até a volta a Kiev.